“Sobem vinte bandas no placo, todas a mesma coisa, tocando aquele ritmo” Cicinho de Assis.
Em entrevista com um dos mais importantes sanfoneiros da música nordestina atual, o saudoso Cicinho de Assis, artista que foi sanfoneiro de Gilberto Gil, Milton Nascimento, Maria Betânia e outros do mesmo naipe, na ocasião do Festival Internacional da Sanfona, nos falou sobre a música nordestina, suas nuances e experiências na vida musical.
Cicinho de Assis, de Senhor do Bonfim, interior baiano, atualmente desenvolve carreira solo com projetos ligados à música de raiz.
Michael Ribeiro - Quais são os maiores desafios que a música regional do Nordeste, dita de raiz, terá pela frente na sua concepção?
Cicinho de Assis - O desafio maior é a gente encarar esse negócio que tão dizendo que é forró, que é lambada, que fica plagiando nosso trabalho. Tem que acabar com isso. Pode colocar outro nome, um Merengue, sei lá, Salsa, outro nome... Agora Forró? Temos que enfrentar esse desafio aí. Eu não tenho nada contra, mas, eu só acho que não é forró.
Michael Ribeiro - Você foi, durante grande parte da sua carreira, sanfoneiro de artistas como: Milton Nascimento, Maria Bethânia, Ivete Sangalo. Qual foi a maior experiência na sua vida musical, um momento que mais marcou.
Cicinho de Assis - Pra mim todas as minhas experiências marcaram. Mas, desde o início o que mais marcou, é claro foi Gilberto Gil. Tive o prazer de tocar com ele durante cinco anos. Gravei o disco: “Eu, tu, eles”, tributo a Luiz Gonzaga e tive o prazer de gravar essas sanfonas com ele. Inclusive a música Esperando na Janela, que é do meu parceiro Targino Gondim. Gravei Ta rá rá rá rá ra ra rá, ta rá rá rá rá rá rá rá... Que na verdade já tinha essa formazinha de solo. Eu só mudei algumas coisinhas, gravei com outra roupagem. Isso marcou a minha vida... Viajei, conheci o mundo, claro com Gil. Então, fico muito agradecido. Sem contar que Gil é um astro, uma estrela brasileira, que é reconhecido no mundo inteiro. O músico que abre a boca e diz “toquei com Gil, dividi palco com Gil” eu acho que não tem palavras...
Michael Ribeiro - Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba Ramalho. Eles são os grandes ícones da música nordestina brasileira. Mastruz com Leite, Aviões do Forró, Calcinha Preta marcam um novo momento? Como você analisa a música do nordeste atual, divulgada na grande mídia?
Cicinho de Assis - Eu não dou nenhum voto. Isso não é forró, é uma modazinha que eles inventaram que logo passa. Sobem vinte bandas no placo, todas a mesma coisa tocando aquele ritmo. Eu não tenho nada contra. Só acho que essa idéia de eles dizerem que é forró está fora do nosso contexto. Eles estão na mídia porque tem gente que, coitados, gostam desse negócio, desse estilo aí. Como tem outros que gostam do pé-de-serra. Eu acho também que é como estou dizendo. Nossa cultura, nossa raiz tem que ser mais divulgada, tem que explorar mais. E eles, que têm dinheiro, como se diz “batem bala na agulha” com dinheiro pra bancar e aproveitam o forró com o estilo deles pra dizer que é forró, mas, não é.
Michael Ribeiro - Cicinho, você tem utilizado recursos modernos para a divulgação do seu trabalho, que é o caso do seu myspace. Atualmente a internet é considerada como uma das maiores portas para o mundo da pirataria e muitos artistas, gravadoras tem grandes prejuízos de direitos autorais com ela. Até onde a internet beneficia a carreira do artista?
Cicinho de Assis - Eu não tenho nada contra a internet não, porque está ajudando a gente a divulgar mais nosso trabalho. As gravadoras não estão mais fazendo nada como antigamente. A maioria das gravadoras faliu, então, só tem a internet pra divulgar nosso trabalho. É mais fácil cara. Eu não tenho nada contra. Apesar de que tem muita gente que está usando pra fazer outros tipos de coisas, pra fazer crimes, que eu sou contra. Mas, enquanto for pra divulgar uma coisa boa, que vai trazer bons resultados eu acho que não tem o que falar da internet.
Michael Ribeiro - Quais sãos os seus novos projetos e o que você espera da nova geração de instrumentistas nordestinos?
Cicinho de Assis - Meu plano para o ano que vem, é gravar um DVD instrumental, variando com a orquestra da câmara. É meu sonho. Fazendo esse trabalho com acordeom para expandir mais o acordeom, principalmente na Bahia. Como eu sou um acordeonista conhecido, estou aproveitando esse gancho. Essa safra tem muita gente boa, que ta chegando por aí. Por exemplo, uns meninos novos que estão vindo até mais novo que eu. Não sou tão velho assim não, mas, tem os meninos, o Mestrinho, o Cezinha, Meninão. A garotada ta chegando aí com força. Eu acho bonito, vem um futuro bom pra nós acordeonistas e pra esse povo, que não sabe o que é uma boa música.
O acordeom é um instrumento que é difícil você ver uma mulher tocando e é tão bonito. Você viu a Luciane do Clã Brasil? E ela deu um show. Eu fiquei muito feliz de ver e é melhor ainda porque fortalece o acordeom no Brasil.
Michael Ribeiro - Como começou seu primeiro contato com a sanfona e como foi o início da sua vida artística?
Cicinho de Assis - Minha carreira musical começou com a zabumba. Meu pai tocava sanfona e geralmente a sanfona no Nordeste é de pai pra filho. Desde os cinco anos, eu fui crescendo e ouvindo tocar. Depois eu vi Osvaldinho e Dominguinhos e foi aí que eu me dediquei... Comecei com a zabumba aos oito e na sanfona com uns dez a doze anos. Depois dessa época, eu passei pro teclado, porque a sanfona é como acabei de falar nesse instante, que o espaço era pouco, entendeu? Tive que tocar teclado e passei por várias bandas baile, porque a experiência está toda aí. Toquei vários estilos de música, tive que acompanhar. Eu sou na verdade aquele sanfoneiro que tem a cabeça mais aberta. Eu gosto de ouvir de cada coisa um pouquinho. Uma Bossa-Nova, um Merengue, um Samba. Eu gosto de tocar de tudo um pouquinho.
Michael Ribeiro - Qual a importância para a cultura regional de um evento como o Festival da Sanfona. Tendo em vista que é uma homenagem feita a um instrumento universal que é a sanfona?
Cicinho de Assis - Eu acho muito importante. A sanfona estava um pouco esquecida. A sanfona vem com o passar do tempo retomando seu rumo. Na Bahia, com o axé, o timbau, o berimbau pra sanfona é ainda mais difícil. E com esse projeto, que Deus abençoou, hoje está valorizando o instrumento, o acordeom. Nó sanfoneiros sempre tivemos essa vontade de expandir mais o acordeom na Bahia. E acho que tem que ser mais valorizado. As raízes, o forró, o baião têm seu lugar e tem que ser expandido ainda mais. A gente vê mais produções de bandas que não têm nada a ver com nossas raízes. Eu tenho certeza que daqui a uns cinco, dez anos, o evento irá fortalecer ainda mais. Ainda é pouco, mas, já está ta pegando. Eu fico muito feliz em estar participando desse II Festival Internacional da Sanfona.
Cicinho de Assis é de Senhor do Bonfim, interior baiano e atualmente desenvolve carreira solo com projetos ligados à música nordestina de raiz.
Michael Ribeiro
Jornalismo
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